terça-feira, 5 de julho de 2011

Escovadores de bits correm risco de Extinção

A literatura especializada no universo de recursos humanos tem sido pródiga na exploração dos traços de personalidade que caracterizam os diferentes perfis profissionais. Em alguns processos de recrutamento e seleção, por exemplo, classificar candidatos a emprego como realizadores, mentores ou captadores, dentre inúmeras outras aptidões possíveis, tem se tornado uma tarefa quase tão corrente como a tradicional análise curricular.
Obviamente, identificar pontos fortes e se precaver de eventuais deslizes comportamentais também são tarefas dos responsáveis por um processo de seleção de pessoal nas empresas de TI (Tecnologia da Informação). No entanto, no meio de informática, além de prospectar qualidades ou possíveis falhas de conduta, as empresas têm mostrado crescente preocupação com outros critérios de seleção para seus profissionais.
Até bem pouco tempo atrás, a impressão que se tinha era que as grandes corporações do mercado de TI buscavam identificar dois tipos de trabalhadores de informática. De um lado estava o técnico por natureza, sujeito apaixonado por computadores, versado apenas no universo de bits e bytes. Em posição quase diametralmente oposta havia o profissional cuja formação deveria remontar a conhecimentos de negócios – onde subentende-se uma forte visão de marketing e processos de venda.
Contudo, este modelo bilateral, que remetia a uma espécie de visão maniqueísta, própria da área de RH das empresas de informática, parece não corresponder mais à realidade vigente nas grandes corporações de tecnologia. Não que estas companhias tenham desistido de baias e amontoado todos seus funcionários em uma única estrutura organizacional, que não contemple divisões entre pessoal de marketing e desenvolvimento ou suporte de produto.
Pelo contrário, o que se constata é que as empresas de TI querem é contar com profissionais que, a um só tempo, dominem tanto as características funcionais da tecnologia que pretendem vender, como as estratégias comerciais para atingir este objetivo.
Certificação comercial
“A formação clássica está perdendo força”, define Valdir Bignardi, diretor- geral da RedBack, empresa que atua no mercado corporativo de comunicação de dados. O argumento do executivo - que é formado em engenharia - é o de que, sobretudo na área técnica, as certificações promovidas por fabricantes muitas vezes são mais reconhecidas no mercado de trabalho do que os próprios diplomas universitários. “Há muitos engenheiros de sistemas bastante competentes, mas que nem têm diploma de engenharia”.
Obviamente, uma sólida formação cultural, que se supõe ser uma das funções básicas da universidade, ainda funciona como um belo cartão de visitas na hora em que se planeja uma mudança de emprego. Mas depoimentos como o de Bignardi conspiram a favor da idéia de que, para alcançar a bonança profissional na área de TI, é preciso ter uma visão holística do mercado no qual se quer atuar. “Cada vez mais os engenheiros de sistemas têm que conhecer o negócio do cliente e não dominar apenas a tecnologia”, completa Bignardi. “O pessoal de desenvolvimento e suporte também deve ter claro como aquela aplicação vai poder melhorar o business do seu usuário”.
Realizadora de um dos cursos técnicos mais disputados do mercado de telecomunicações – o CCIE, ou Cisco Certified Internetworking Engineer – a Cisco nem por isso deixa de pregar no seu quadro próprio de funcionários a necessidade de cultivar o que chama de visão sistêmica do mercado de tecnologia. Nas palavras de Rosa Bojlesen, gerente-geral de RH da empresa, “todos os funcionários da Cisco, antes de especialistas, têm que ser generalistas”.
Lembrando que as atividades da empresa no Brasil estão mais voltadas à área comercial, Bojlesen chega a ser taxativa: todos os funcionários têm que ter boas noções das estratégias de marketing da empresa. E mesmo a área técnica precisa estar sintonizada com as metodologias de venda e aproximação com o cliente.
“Além de profissionais de tecnologia, nossos funcionários precisam agregar outras competências”, observa a gerente de RH da Cisco. “A idéia é ter uma visão de longo prazo, mas realizar objetivos em curto prazo”, ela diz. Além de depoimentos que confluem em direções semelhantes no que concerne ao perfil do profissional de informática, o mercado corporativo também tem produzido evidências curiosas de que, para alcançar um cargo gerencial numa empresa de TI, é preciso muito mais do que ser um perito tecnológico.
Uma das mais passíveis de análise é o termo “escovador de bits”, jargão da área que, de maneira sutilmente sardônica, costuma ser usado para definir os profissionais dos departamentos técnicos das empresas de informática.
Fim dos técnicos
Soando como um tipo de chacota corporativa, o gracejo deixa claro que, mesmo entre os técnicos, desenvolvedores e profissionais de suporte, a idéia de lidar mais com máquinas do que com pessoas não é uma das mais aprazíveis. Brincadeiras à parte, a idéia de que no mercado de TI não predomina mais a figura do técnico/especialista pode ser apontada como reflexo de uma outra mudança em curso no setor. Fiéis ao discurso de vender soluções ponta-a-ponta, as empresas da área querem se identificar como prestadoras de serviço, e não simplesmente companhias de tecnologia.
“Os profissionais de TI, mesmo os técnicos, têm que voltar seus olhos para a aplicação real da solução”, proclama Maurício Vaz, presidente da Atrium Telecom. “Como prestadores de serviço, as empresas de TI têm que entender cada vez mais as necessidades de seus usuários”.
Para isso, agregar num único profissional tanto a bagagem tecnológica, como os conhecimentos comerciais de um típico executivo de negócios surge como discurso uníssono entre os responsáveis que dão a palavra final sobre a contratação de um novo profissional de informática. “O grande desafio é unir as habilidades de um vendedor de sabonetes às de um grande técnico”, dispara Álvaro Caputo, diretor de marketing da Itec, fabricante e distribuidora de servidores IBM para o mercado corporativo.
“Aquela história de que o consumidor pode comprar carro de qualquer cor, desde que seja preto, está muito ultrapassada”, conclui Caputo, em referência a uma das célebres frases de Henry Ford, fundador da Ford, primeira montadora de veículos na história norte-americana.
|Computerworld - Edição 344 - 20/06/2001|